Aqui há uns dias pediram-me para fazer de Capuchinho Vermelho. Eu empurrei um lenço vermelho por cima da cabeça e tentei pôr o meu ar mais angelical. A filhota deu dois passos para trás, olhou-me como um encenador experiente e depois de ponderar dois ou três segundos, deu-me a sua aprovação: “Estás bem.”.
Perguntei-lhe quem iria ela ser. Ela respondeu que seria o lenhador. Foi até à porta do quarto e deu meia volta. Quando voltou já encarnara o seu papel. “Eu sou o Lenhador, menina Capuchinho Vermelho… Não tenha medo… Eu vou protegê-la!”. “Proteger-me do quê?” perguntei-lhe com um ar supostamente espantado. “Do Lobo Mau que está além escondido atrás das árvores…”. Respondeu-me fingindo um ar amedrontado e apontando para o armário.
Olhei em direcção às “árvores” e exclamei: “Ah! Eu não tenho medo… Onde é que ele está? Onde é que ele está que eu já lhe digo…”. A filhota fez um ar algo atónito e murmurou “Não… Não… Que o Lobo é muito mau, menina…”. Eu lancei-lhe um ar incrédulo e levantei-me. Fui até ao armário e fingi dar um murro no topo da cabeça do lobo que se escondia atrás dele. “Pronto. Já está. Não há mais Lobo Mau!…”.
A filhota olhou-me com um ar ainda mais incrédulo. Por momentos pareceu-me uma actriz deixada sem deixas. Mas enganei-me. Ela lançou-me um meio sorriso e do topo dos seus quatro anos recordou-me: “Oh mãe… Há muitos lobos por aí…”.
Pois há filhota. E logo a seguir, quando foste outra vez até à porta do quarto, deste meia volta e voltaste, mostraste-me que também já sabias outra coisa. “Menina Capuchinho Vermelho… Não tenha medo! Eu sou o Lobo Bom mas não lhe faço mal!… Também há lobos bons, sabe?…”.
Catarina Santos
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalítica
Directora Técnica e Coordenadora da Equipa Psicopedagógica de A Casa Amarela.
Foto: Jasmine Becket-Griffith